Impacto das mudanças climáticas na irrigação agrícola
Autor: André Guilherme Rego - Data: 04/09/2025
O aquecimento global tem alterado profundamente a forma como a água circula no planeta. Chuvas mais irregulares, derretimento de geleiras e mudanças na recarga de aquíferos estão tornando a disponibilidade de água cada vez mais instável. Isso significa mais secas, enchentes repentinas e maior evapotranspiração, o que aumenta diretamente a necessidade de irrigação. O último relatório do IPCC destaca que esses impactos já são realidade e que a forma como manejamos a água será decisiva para a segurança alimentar nas próximas décadas.
Em 2023, por exemplo, os rios do mundo tiveram o ano mais seco em mais de 30 anos. Grande parte das bacias hidrográficas apresentou condições anômalas, comprometendo o abastecimento de agricultores que dependem de rios e degelo.
Como o clima afeta a água e a irrigação
Estudos recentes mostram que a evapotranspiração de referência (ETo) está aumentando devido às temperaturas mais altas, exigindo mais água para manter a produtividade das lavouras. A oferta de água, por outro lado, está cada vez mais incerta. As chuvas têm se tornado menos previsíveis e a recarga de aquíferos apresenta sinais preocupantes.
Entre 2000 e 2022, foi registrado um declínio acelerado dos níveis de água subterrânea, principalmente em regiões agrícolas com forte dependência de poços. Além disso, metade da expansão da área irrigada neste século ocorreu justamente em locais com maior escassez hídrica, ampliando as pressões sobre os recursos disponíveis.
No Brasil, a irrigação já representa mais da metade de toda a retirada de água do país. Dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) mostram que, em 2022, o setor foi responsável por 50,5% do uso total. O Portal de Irrigação do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos, lançado recentemente, reúne informações estratégicas para auxiliar agricultores, gestores e pesquisadores a lidar com esse cenário.
O que muda no campo
O impacto das mudanças climáticas é sentido diretamente na rotina das propriedades rurais. A sazonalidade e a confiabilidade da água estão cada vez mais comprometidas. Em alguns locais, as cheias chegam de forma repentina; em outros, as estiagens se prolongam. Para o irrigante, isso significa necessidade de planejar melhor o armazenamento, seja por meio de reservatórios, seja pela recuperação da capacidade de retenção do solo.
As ondas de calor também representam um desafio. Elas aumentam a evaporação e elevam a demanda de irrigação em curtos períodos de tempo, colocando pressão sobre os sistemas e encarecendo a operação. Já quem depende de aquíferos enfrenta custos maiores de bombeamento à medida que o nível da água diminui.
Estratégias de adaptação
A irrigação pode ser parte da solução se acompanhada de inovação e manejo eficiente. O primeiro passo é recalibrar a demanda hídrica das culturas a partir de séries climáticas mais recentes, revisando os projetos e sistemas já instalados. Tecnologias de maior eficiência, como gotejamento e microaspersão, ajudam a reduzir perdas e são cada vez mais necessárias em áreas de escassez.
O uso de informações climáticas também ganha espaço. Sensores de solo, estações meteorológicas locais e serviços de previsão climática permitem programar a irrigação de forma mais precisa, evitando desperdícios e reduzindo riscos. O manejo deficitário controlado, que consiste em aplicar menos água em determinadas fases da cultura sem comprometer a produtividade final, também se apresenta como alternativa em regiões onde a água é limitada.
Outro ponto essencial está no solo. Aumentar o teor de matéria orgânica, adotar coberturas permanentes e investir em práticas conservacionistas melhora a capacidade de retenção de água e reduz a necessidade de irrigação nos momentos críticos.
No campo da diversificação, ajustar o calendário de semeadura, adotar cultivares mais tolerantes ao calor e explorar sistemas integrados de produção, como a integração lavoura-pecuária-floresta, são caminhos que fortalecem a resiliência das propriedades.
Por fim, a gestão coletiva da água é um desafio central. Medir, monitorar e planejar o uso é indispensável para que a irrigação possa continuar garantindo segurança alimentar sem comprometer os ecossistemas.
O caso brasileiro
Embora o Brasil possua grande disponibilidade hídrica, a distribuição não é homogênea. Regiões como o semiárido nordestino e parte do Centro-Oeste já convivem com cenários de forte pressão sobre os recursos. Nesse contexto, a expansão da irrigação precisa estar vinculada ao aumento da eficiência, buscando maior produtividade por metro cúbico de água.
Ferramentas como o Portal de Irrigação do SNIRH e os levantamentos do MapBiomas Irrigação permitem conhecer melhor onde estão os polos irrigados e como eles evoluem, ajudando gestores a pensar políticas mais proativas. Casos práticos mostram que é possível avançar. Em áreas de cana-de-açúcar do Cerrado, o manejo baseado em dados climáticos reduziu a vulnerabilidade às secas. No arroz irrigado, a substituição da inundação contínua por regimes intermitentes ou por aspersão já demonstrou redução de até 70% no uso de água e nas emissões de gases de efeito estufa.
Conclusão
A irrigação é hoje o principal uso da água no Brasil e, ao mesmo tempo, uma das ferramentas mais poderosas para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. O setor precisa migrar de uma lógica de expansão de área para uma lógica de eficiência, onde o foco seja produzir mais por metro cúbico de água utilizado.
As soluções estão disponíveis: manejo baseado em dados, sistemas mais eficientes, conservação do solo e integração de diferentes práticas produtivas. O desafio agora é ampliar o acesso, coordenar esforços e garantir políticas públicas que apoiem essa transição. O futuro da agricultura irrigada, e consequentemente da segurança alimentar, depende da nossa capacidade de adaptação.
Fontes:
Mudanças Climáticas 2022: impactos, adaptação e vulnerabilidade
Estado dos Recursos Hídricos Globais 2023
Rápido declínio das águas subterrâneas e alguns casos de recuperação de aquíferos globalmente
Irrigação (Coleção 5)
Embrapa Arroz e Feijão
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