A experiência de Marcelo Zlochevsky, especialista em irrigação
Autor: Regina Motta - Data: 02/06/2020
Nosso presente especial de hoje para nossos leitores é a experiência de Marcelo Zlochevsky que, gentilmente, se dispôs a nos brindar com o seu conhecimento sobre a Irrigação.
AueIrrigação: Crise hídrica, como isso afeta a irrigação?
A crise hídrica tem impactado de formas opostas no mercado de irrigação. De um lado há um estímulo intuitivo e inevitável de querer evitar a rega do jardim, seja pela carência de água priorizando funções vitais, como aconteceu na grande crise na região sudeste em 2014.
De outro lado, estimula-se boas práticas do uso inteligente da água e do racionamento de água. Fica mais fácil controlar o consumo de água em épocas difíceis sem matar o Jardim de sede.
Realçam-se as vantagens e os benefícios mantendo o verde à nossa volta usando-se fontes de água alternativas (água de reuso, água de chuva) e do uso de equipamentos mais eficientes, como por exemplo o gotejamento. Temos maior controle da rega com controladores inteligentes que ajustam o tempo de irrigação à real demanda e à variação climática das últimas 24 horas.
Temos também sensores que evitam uma rega programada, quando o solo ainda está úmido ou quando está chovendo. Estes equipamentos inteligentes estão disponíveis para uso residencial e comercial, com um custo bastante acessível.
AueIrrigação: O que mudou na irrigação desde que você começou a trabalhar no setor?
Hoje em dia os equipamentos são muito mais duráveis, tem maior eficiência na distribuição de água, são mais fáceis de instalar e de dar manutenção. O custo é muito mais acessível ao consumidor. A indústria investiu bastante neste sentido.
O manejo remoto da irrigação a partir de um smartphone é uma realidade acessível a qualquer jardim residencial. Lembro de uma reportagem publicada em uma das revistas de grande circulação, sobre uma certa residência em Brasília, que tinha um jardim sofisticado com “emissores de água escondidos em suas mini grutas de proteção, e que se projetavam para fora do terreno no momento da rega”.
Isto foi anos atrás e confesso que na época nem entendi do que se tratava. Eram aspersores escamoteáveis, subterrâneos e que hoje se encontram em qualquer jardim, a preços bastante acessíveis.
AueIrrigação: Jardim vertical e jardim sobre lage: qual a orientação sobre esta vertente? Existem treinamentos para esta área?
Jardins Verticais e Telhados Verdes, as grandes novidades no paisagismo contemporâneo. Contribuem de várias formas para o bem estar das pessoas. Os jardins verticais oferecem um visual agradável e harmônico ao mesmo tempo que ajudam a amenizar a temperatura ambiente, despoluir um pouco o ar carregado das metrópoles, devolvendo vida a uma parede rígida e dura. Locais e ambientes onde não era possível desenvolver um jardim convencional ganham um verde.
Os telhados verdes oferecem mais alguns benefícios, sendo uma superfície de permeabilidade e absorção de água da chuva onde hoje temos cimento e asfalto impermeabilizando o solo. Pássaros e borboletas estão voltando as metrópoles com pequenas ilhas de vida se renovando. Felizmente tecnologias dominadas pelos paisagistas de nossos tempos.
AueIrrigação: Do ponto de vista da irrigação agrícola, existem políticas públicas e limitações?
Infelizmente há pouco incentivo público a esta prática que traria inúmeras vantagens e benefícios. O agricultor ainda é visto como o vilão que desperdiça água, o que não é verdade. A prática da irrigação ainda é acanhada, alcançando menos de 10% da área agricultada.
As hortas públicas, com diversos benefícios, estão se desenvolvendo de forma espontânea e com o trabalho voluntário, se espalhando pelas grandes cidades. As hortas comunitárias em grandes centros urbanos ainda são um desafio, seja por desconhecimento da população, pelo acesso limitado a água, exigindo gastar o mínimo de água possível.
Alimento saudável a custo baixo (para não dizer custo zero) com grande valor social agregado dentro das cidades. Não há muito espaço para grandes reservatórios, que inclusive seriam de complexa manutenção.
O gotejamento é uma ótima solução, sendo possível irrigar com vazões e pressões baixas, evitando instalar bombas elétricas em áreas públicas.
AueIrrigação: Do ponto de vista da irrigação de jardins urbanos, qual a limitação da água? Como resolver?
Incentivar as práticas de irrigação localizada como o gotejamento é apenas uma das recomendações conforme descrito na pergunta anterior.
O uso de águas residuais coletadas e armazenadas, além da coleta de chuva pode solucionar muitos problemas comuns às metrópoles, que não têm para onde escoar os excessos das chuvas e muitas vezes sem saneamento básico. Exigirá um investimento inicial, é verdade, mas de custo relativo baixo, podendo amenizar a poluição de rios e nascentes dentro das cidades.
Nestes dias os noticiários relatam questões complexas em uma grande cidade do Brasil
AueIrrigação: Quais são os fatores a se considerar quando trabalhamos com projeto de irrigação?
Devemos ter atenção ao ambiente da área a ser irrigada de forma geral. Sendo um jardim, é importante identificar a intensidade, forma e horários de uso do jardim, o paisagismo e as plantas existentes com demandas de água e manejo diferentes, o clima e o microclima a volta, a disponibilidade de água (vazão e pressão) e a sua qualidade, a existência de acessórios já instalados (hidrômetros, tubulação, válvulas, registros).
Sendo uma área agrícola, as demandas são semelhantes, mas neste caso temos que tratar hortas comunitárias, hortas profissionais e fazendas conforme os cultivos, variedades e questões financeiras.
AueIrrigação: O que se deve projetar primeiro, o jardim ou o sistema de irrigação? Por quê?
O projeto do jardim vem sempre em primeiro lugar. O sistema de irrigação deve ser dimensionado para atender a demanda de cada tipo de planta e microclima de forma diferenciada.
É importante projetar pensando como ficará o jardim quando desenvolvido. A instalação do sistema de irrigação pode ser feita antes da implantação do jardim, otimizando o projeto e minimizando danos as plantas. Mas o projeto do Paisagismo deve anteceder o projeto da irrigação.
Em alguns casos, o projetista de irrigação poderá sugerir ajustes, alterações e adequações para otimizar a instalação do equipamento e reduzir custos.
Mas quem manda sempre é a planta.
AueIrrigação: Qual a importância de um sistema de irrigação para um jardim?
Assim como nós, humanos, o reino vegetal sobrevive mais tempo sem alimento do que sem água. Água é o líquido da vida. A falta de água é fatal e mortal, independente do tipo de planta. Todas precisam de água. Algumas exigem mais água, outras menos.
Algumas pedem a aplicação com maior frequência e outras com menor frequência. O excesso pode ser mais prejudicial que a falta de água. Por isso é importante considerar a boa setorização e o manejo adequado da irrigação, evitando ter que irrigar ao mesmo tempo plantas de diferentes demandas.
AueIrrigação: Como um bom projeto de irrigação pode contribuir para a economia de água?
Antes de tudo é preciso fazer um bom reconhecimento do local, da demanda de irrigação (chamamos Evapotranspiração Potencial), das condições climáticas e do que chamamos de “Janela de Irrigação” disponível. É o período que devemos e que podemos irrigar.
De posse do projeto do paisagismo, das demandas de cada planta, dos dados climáticos, análises de água e de solo, podemos partir para o dimensionamento do projeto hidráulico, selecionando os emissores mais adequados a cada planta e situação.
Felizmente esta tarefa, hoje em dia, é mais fácil. Temos muitas opções de bons e eficientes emissores de irrigação, de alta eficiência que permitem reduzir o tempo de rega.
A setorização do projeto, ou seja, a divisão em zonas operacionais é muito importante, evitando irrigar simultaneamente plantas de demandas diferentes. A setorização deve evitar também a operação de emissores de precipitação (“chuva”) diferente.
Aspersores tipo Spray precipitam com intensidade 3 vezes maior que os aspersores tipo Rotor.
O campeão indiscutível na contribuição à redução do consumo de água em irrigação de jardins se reúne em uma família de produtos e conceitos chamada “Xerigation®”, também conhecida com Irrigação Localizada ou Microirrigação.
A palavra Xerigation® vem do grego “Xeros” que indica plantas de baixo consumo de água. A linha de produtos é muito ampla e especializada no baixo consumo de água e de energia. Temos por exemplo um tubo gotejador chamado de Escudo de Cobre® que pode ser usado enterrado, com uma proteção contra intrusão de raízes, que permite o uso de águas com odor desconfortável ou com alto teor de coliformes, sem contaminar o ambiente. Basta usar o filtro certo.
AueIrrigação: Financeiramente, o projeto e a manutenção são válidos?
Em nossos dias, sistemas de irrigação automatizados e a redução no consumo de água para um jardim verde, bonito e saudável não se restringem mais a alto poder aquisitivo. Ao contrário. A relação custo benefício é altamente satisfatória, reduzindo os custos de manutenção do jardim, evitando o replantio e a reposição excessiva de plantas, permitindo o uso de água de reuso e de coleta de água de chuva, ajustando o tempo de rega à demanda diária e muito mais. A conta de água se reduz de forma expressiva.
Difícil mesmo é dimensionar o valor dos benefícios de um jardim verde, exuberante, bem tratado e somando à qualidade de vida em dias atuais.
AueIrrigação: Qual a sua ideia sobre treinamentos, a rede de distribuição, revendas e atendimento ao consumidor final?
Temos hoje no Brasil várias empresas atuando na distribuição, revenda de produtos de irrigação de paisagismo e na prestação de serviços em geral, mas que na sua grande maioria ainda são carentes de treinamentos e capacitação, por não ser esta uma alta prioridade.
Especial atenção deve ser dada aos profissionais que têm o contato direto com o consumidor final, fazendo o dimensionando e a instalação dos sistemas de irrigação, bem como oferecendo assistência pós-venda e manutenção. As empresas focadas em distribuição têm a incumbência de disponibilizar produtos à rede de revendas, dar apoio técnico e comercial, oferecer os treinamentos e cuidar para que o consumidor tenha sempre os produtos e a configuração do sistema de irrigação adequados ao sucesso do paisagismo, o que ,a primeira vista, pode não ser a opção de menor custo inicial de aquisição dos produtos.
O difícil momento que vivemos com a Pandemia do COVID-19, obrigou o isolamento social e a redução nas ações em campo, permitindo que muitos assistissem a treinamentos via internet (os chamados webinars) que espero tenham continuidade e que não sejam preteridos pelos argumentos de haver uma obra, um projeto ou uma instalação urgente que não podem esperar.
Irrigação do Maracanã:
Jardim do Instituto Sabin
Leia também:
Professor José Alves da UFG fala sobre Irrigação
Eng. Agrônomo Alexander Nunes, da Agroconsulte, fala sobre seus projetos de irrigação
David R. Santos, da DS Projetos e Serviços de Brasília, e a sua experiência na área de irrigação
Questões sobre irrigação por Guilherme Motta de Oliveira
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